Bijuterias de miçanga e macramê, peças com estampas africanas e um burburinho incessante e animado. O camarim improvisado no Centro de Design, vibrava com a preparação para o desfile do Coletivo Mães da Periferia, no terceiro dia da Semana de Moda Negra, Indígena e Periférica, a MONEGRIN. “A gente tem que mostrar que nós temos que estar sãs, salvas e de cabeça erguida, maquiadas, na passarela de salto alto para dizer assim: Estado, eu estou aqui e vou lutar pelo meu filho, mas não só pelo meu filho, mas por toda a periferia e por esses jovens que estão vivos”, afirma Edna Carla, fundadora do Coletivo Mães da Periferia, que se organizava para entrar no palco.
A segunda edição da Semana de Moda da KUYA, equipamento cultural da Secult, gerido pelo Instituto Mirante, teve como tema “Co-criar futuros possíveis” e aconteceu de 22 a 25 de maio no Complexo Cultural Estação das Artes, reunindo designers e artistas que contestam a centralização da moda comercial. A programação contou com exposições, rodas de conversa, cursos, oficinas, bailes, feiras autorais e desfiles, como o das Mães da Periferia, articulado junto à Assessoria de Políticas Afirmativas e Articulação Comunitária do Instituto Mirante, por meio do Núcleo de Articulação Comunitária (NACA).
O movimento Mães da Periferia foi criado em 2020. Atualmente, ele é formado por 15 mulheres que perderam seus filhos para a violência policial no Ceará, em Fortaleza e em diversos outros municípios.
Participaram do desfile Edna Carla, fundadora e coordenadora do Movimento Mães da Periferia e mãe de Alef, adolescente assassinado na Chacina do Curió, em Fortaleza; Erineusa Fernandes, mãe de Wesley Miguel, morto em Quixadá/CE; Ilana Maria Bezerra da Silva, mãe de Paulo Victor assassinado no bairro Mondubim; Maria Guedes Nogueira, mãe de Rafael morto na Chacina do Vicente Pinzon; Leidiane Rodrigues Fernandes, mãe de Mizael Fernandes, morto em Chorozinho; e Erineuda Fernandes, tia da vítima Wesley Miguel.
Apesar do luto que nunca cessa, carregavam força e ressignificavam a tristeza em forma de autocuidado e resistência. “Era como se eu estivesse dentro do poço, e depois do movimento, fui sendo içada para cima. Trazendo pra mim uma vontade de viver, de me sentir empoderada”, relata Erineuda Fernandes.
Uma por uma, as mulheres entraram desfilando ao som de “Ela é top”, funk de MC Bola. A ideia era levar à passarela da KUYA o Dia da Beleza, momento anual, que acontece sempre um dia antes do Dia das Mães, em que o Coletivo incentiva a criação da autoestima das mães que perderam seus filhos para a violência na cidade. “Foi aí que começamos a pensar juntas em como tornar esse desfile participativo, conectando cada roupa à moda autoral para que não fosse apenas vestir e desfilar, mas que cada peça trouxesse um contexto de resistência e representatividade”, discorre Tea Marcelo, coordenadora da MONEGRIN.
O desfile foi possível graças a uma rede de apadrinhamento construída de forma afetiva e colaborativa, envolvendo pessoas próximas ao Coletivo e ligadas à cena cultural local. A ação reforça a ideia de que o Estado também precisa criar espaços de reparação por meio da cultura, do afeto e do compromisso com a vida dessas mulheres. “Acolher a demanda que chega das periferias, mais especificamente dos coletivos de mulheres, é uma forma de acesso, de democratização da cultura. Quando eu falo de acesso, é acesso a direitos, no caso, direito à cultura, à arte, ao design”, constata a coordenadora do NACA, Neyla Castro.
Quando as palmas ritmadas gradualmente se extinguiram e a música parou, as mulheres que já tinham deixado a passarela voltaram à cena: no banner que seguravam, estavam os nomes e rostos de Alef, Mizael, Juan, Ingrid, Francisco, Adicelio, João Paulo, Wesley e Weverton. “Os nossos filhos vivem em nós. Eu vivifiquei meu filho na luta”, diz Edna, com a voz firme, preenchendo o salão. O público, em sintonia com as mães, responde que os filhos delas estão presentes.
Texto por: Giovanna Carvalho Moura